Viajar é muito mais do que ver paisagens novas.
Muitas vezes é entrar, mesmo que por instantes, na casa de outros mundos. E, muitas vezes, o primeiro contacto com uma cultura não acontece num museu ou numa rua animada, mas à mesa, à porta de uma casa, com um chá quente nas mãos ou um pão acabadinho de sair do forno. Em várias partes do mundo, os rituais de hospitalidade são mais do que gestos educados: são códigos culturais profundos, heranças de séculos de convivência, sobrevivência e pertença.
O poder de um gesto simples
Ao longo das viagens que a Papa-Léguas promove, há um traço comum que se repete, seja nos vales do Atlas, nos Himalaias nepaleses ou nas estepes da Mongólia: a forma como somos recebidos diz muito sobre a comunidade em si. Oferecer comida, partilhar um chá, abrir as portas de casa, são todos gestos universais, mas cada cultura tem a sua maneira única de os praticar.
Na Geórgia, por exemplo, a figura do tamada, o anfitrião que conduz os brindes durante um banquete, é mais do que simbólica uma vez que é ele garante que todos se sentem parte da mesa. Na Jordânia, recusar um café oferecido pode ser lido como uma ofensa; o ritual de o servir é quase cerimonial, com pequenos copos cheios até metade, sinal de que o convidado é bem-vindo mas também livre para ir embora quando quiser.
Na Arménia, no Irão, no norte de África e noutros países marcados por culturas agrícolas ou nómadas, o pão é muito mais do que alimento, é símbolo de vida e partilha. Receber alguém com pão e sal é um gesto de paz. Em algumas aldeias, é comum deixar um pedaço de pão à porta, como sinal de que a casa está aberta a quem precise.
Recorde-se que, em zonas áridas, onde os recursos escasseiam, a hospitalidade não é apenas uma virtude, é também uma regra de sobrevivência. Nos desertos da Tunísia ou da Mauritânia, o forasteiro é acolhido com água e sombra antes de qualquer conversa. É um ato de humanidade ancestral, que continua vivo.
Mais importante que isso, é cada vez mais necessário!
O chá como ponte
Em muitas culturas asiáticas, o chá não é apenas bebida mas serve como uma ponte entre estranhos. No Japão, a cerimónia do chá é um ritual de atenção plena, respeito e silêncio. Cada gesto, desde o modo como a chávena é segurada até à temperatura da água, carrega intenção e presença.
Na China, servir chá é uma forma de honrar os mais velhos. Na Mongólia, o chá com leite salgado é servido em tigelas partilhadas, como sinal de união. E na Índia, o chai quente dado ao viajante é uma maneira de iniciar conversa e, muitas vezes, amizade.
Códigos que é bom conhecer
Os rituais de hospitalidade variam muito, e o que é visto como cortesia num lugar pode ser lido como desrespeito noutro. No Nepal, por exemplo, tocar na comida com a mão esquerda é considerado impuro. Na Etiópia, é comum alimentar o outro à mão como gesto de afeto. Em Marrocos, é normal insistirem para que o convidado coma mais, mesmo que diga que está cheio (o truque é deixar um pouco no prato, sinal de que foi bem servido).
Aprender e respeitar estes gestos é uma forma de demonstrar gratidão e humildade. Não é preciso sabermos tudo, mas é essencial mostrarmos abertura para aprender. Ser um bom hóspede, afinal, também é uma forma de respeito.
Hospitalidade como resistência cultural
Em tempos de globalização, em que os padrões se uniformizam e o turismo de massas muitas vezes ignora o tecido real das comunidades, manter vivos os rituais de hospitalidade é um ato quase político. Em muitas aldeias remotas, partilhar uma refeição com o visitante é afirmar uma identidade própria, feita de sabores, gestos e ritmos que não se encontram em brochuras turísticas.
Há quem diga que o futuro das viagens está na autenticidade. E a autenticidade, por vezes, cabe numa tigela de sopa oferecida por alguém que não fala a nossa língua, mas que nos reconhece como humanos e com tudo a isso inerente: fome, cansaço e curiosidade.
Viajar com a Papa-Léguas é, muitas vezes, encontrar estes momentos e são estes encontros que ficam, muito depois de esquecermos o nome da cidade ou a data da viagem.
Porque, no fundo, são estes rituais de hospitalidade que nos ensinam que a viagem mais profunda não é a que nos leva longe, mas a que nos aproxima dos outros.