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À Beira da água: Ilhas ameaçadas pela subida do mar

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O que acontece quando o mar começa a redesenhar as fronteiras das ilhas? Em algumas partes do mundo, o território está a tornar-se temporário.

Em vez de mapas estáticos, há linhas de costa que recuam a cada estação. A água infiltra-se nos campos, cobre os caminhos, corrói as fundações. Para várias comunidades insulares, esta não é uma previsão climática — é uma adaptação em curso.

O arquipélago de Kiribati, no Pacífico, é um exemplo real. Muitos dos seus atóis de coral têm menos de dois metros de altura acima do nível do mar. As marés, que sempre fizeram parte da vida quotidiana, tornaram-se imprevisíveis. Há escolas com alicerces enfraquecidos pela água, nascentes tornadas salobras, terrenos agrícolas abandonados. Desde 2014, o governo de Kiribati comprou 20 km² de terra nas Fiji — oficialmente, para garantir a segurança alimentar. Extraoficialmente, como linha de fuga.

Situações semelhantes encontram-se em Tuvalu, outro Estado insular com menos de 30 km². Os habitantes convivem com inundações regulares, mesmo em dias de céu limpo. A água vem de baixo, empurrada pelas marés por entre as fundações porosas. Em resposta, foi iniciado um projeto de digitalização do país — uma espécie de cópia da nação, para o caso de o território físico se tornar irreconhecível. Trata-se de um exercício pouco usual: preservar um Estado, mesmo que ele deixe de ter chão.

Noutras zonas, como nas Ilhas Carteret na Papua-Nova Guiné, o processo de abandono já começou. Desde 2007, várias famílias foram realojadas em ilhas vizinhas. A terra tornou-se imprópria para cultivo devido à salinização dos solos. A pesca, por sua vez, é afetada pelas mudanças nos ecossistemas costeiros. O realojamento, apesar de planeado, não tem sido simples. Os recém-chegados são recebidos com desconfiança, as infraestruturas são escassas e a terra disponível, limitada.

A situação repete-se noutras ilhas menos mediáticas: nos Sundarbans, no delta do Ganges; em ilhas do arquipélago de Torres Strait, entre a Austrália e Papua-Nova Guiné; e em pequenas comunidades costeiras na Micronésia. Em comum, está o desaparecimento de território habitado e produtivo — não sob forma de catástrofe súbita, mas como uma erosão lenta e documentada ano após ano.

Estes lugares não se estão apenas a afundar. Estão a ser redefinidos — pela geografia, pela política, pela gestão de recursos. A subida do nível do mar é apenas uma das variáveis. O que fazer quando os limites administrativos deixam de coincidir com a geografia real? Quando as escolas são deslocadas, mas os cemitérios não? Quando as tradições dependem de um lugar físico que já não existe?

Alguns habitantes tentam resistir. Constroem barreiras improvisadas, plantam vegetação costeira, ajustam práticas agrícolas. Outros aceitam a inevitabilidade da mudança e mudam-se também. Em ambos os casos, não se trata de desistência ou heroísmo. Trata-se de gestão quotidiana — lidar com o que há, enquanto ainda há.

Do ponto de vista legal, o mundo ainda não está preparado. A categoria de refugiado climático continua sem reconhecimento formal. Muitos dos que saem fazem-no sem garantias, sem estatuto. Não fogem de guerra nem de perseguição — apenas de uma maré demasiado alta, de uma fonte de água que já não é potável, de um campo que deixou de dar milho.

A maioria destas histórias não chega às notícias. Isto porque não há sirenes, nem evacuações em massa. Há sim casas que deixam de ser reparadas, crianças que passam a viver com familiares noutras ilhas, administrações locais que debatem onde investir num território com data incerta.

Para quem viaja, esta realidade exige contenção e atenção. Alguns destes lugares continuam a receber visitantes — mas há um desequilíbrio evidente entre a mobilidade de quem vem por uns dias e a instabilidade de quem ali vive. O turismo pode ser uma fonte importante de rendimento, mas também um fator de pressão. Convém perguntar: o que procuramos nestes lugares? E o que estamos dispostos a ouvir?

Nem todas as ilhas vão desaparecer. Algumas conseguirão adaptar-se, reforçar a costa, reorientar as suas economias. Outras, possivelmente, não. E nessa transição, talvez o mais importante seja registar — com precisão, com respeito — o que está a acontecer.

Porque há lugares onde o chão recua. Mas enquanto houver gente que permanece, há ainda histórias por contar.

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