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Homepage > Histórias de Viajantes > Pepe, El Viajero.

Nota prévia

O Pepe foi o webmaster da Papa-Léguas entre 2008 e 2023. Conheci-o na Patagónia em 1999 e desde aí que sempre mantivemos uma relação de amizade e troca de ideias. É um viajante invulgar. Tem 76 anos (e meio) mas continua com um espírito de 20.

Vamos agora ler o que o Pepe escreve sobre ele próprio.

Artur Pegas


Na escola primária, com 7/8 anos, um menino cego, mais velho que nós, costumava ler-nos, nos recreios, histórias e contos impressos em Braille. Recordo-me sempre daquelas histórias que falavam de uma selva densa e fechada, onde viviam homens pequenos, fortes e corajosos, os “pigmeus”. Eu acredito que estas histórias aguçaram o desejo de conhecer o mundo e despertaram a minha vontade de viajar.
Naquela época, e com o conhecimento daqueles anos (anos 50), estas histórias criaram na minha mente uma ideia de mistério e aventura que me perseguiu durante toda a minha vida de viajante, até que, finalmente, os vi nessas selvas misteriosas (para nós) nas viagens que fiz para essas paragens em 1994 para o Rio Ituri e Mont Hoyo no Kibu Norte, no Zaire, e em 2006 e 2009 ao longo da bacia do rio Sangha no Congo.

Lembro-me com carinho das primeiras viagens que fiz à boleia. A partir de Madrid “estiquei o dedo” para várias partes da europa …Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha, Itália…
Depois, a conduzir o meu próprio carro e em busca de novos destinos na Europa cada vez mais distantes, mais difíceis de alcançar, mas sempre procurando a natureza intocada.
Com a minha companheira de viagens e de vida, nos idos anos 80, viajei de carro de Espanha até ao Cabo Norte. Era toda uma aventura, cruzar o círculo polar com um Renault 5. Ainda na década de 80, aventuramo-nos até a fronteira Síria no sudeste da Turquia, entre outros locais do “velho continente”, até que a Europa ficou pequena e decidimos cruzar o Atlântico até ao Peru.
Nesta primeira viagem à América do Sul, tivemos contato com a selva amazónica e ficamos impressionados. No ano seguinte, em 1990, fizemos a nossa primeira viagem em grupo, num camião, para o Quénia e Tanzânia. Essa experiência marcou o resto da nossa vida de viajantes. Naquela época, acampávamos, sob a supervisão dos guardas, em qualquer lugar do Masai Mara e do Serengueti. Devido à deficiente planificação da viagem, fomos obrigados a abastecer-nos de carne e verduras nos mercados locais das aldeias próximas. Nos anos 90 do século passado, esses parques não estavam ainda saturados de turismo, e pudemos desfrutar da natureza em estado puro e do contato próximo com as populações locais.

Descobrir África a bordo de um camião equipado passou a ser a nossa matriz para explorar este continente. Desta forma, a bordo de um camião, exploramos o Quénia, a Tanzânia, o Malawi, Moçambique… África do Sul, até que em 2001 decidimos começar a viajar com mais conforto e sozinhos num 4×4.

Em jeito de expedição, planeamos todas as rotas e logística e tem sido, desde então, a forma eleita para conhecer alguns dos mais belos locais africanos. Em várias viagens fomos conhecendo recantos da Namíbia, Botsuana, Zimbabué e Zâmbia. Completamos a rota dos quatro rios, desde o Cunene, Cubango (ou Okavango como é mais conhecido), Cuanza até ao Zambeze. E por fim, conseguimos cruzar África do Atlântico ao Índico.
Em 2019, realizamos outro dos nossos sonhos, viajando por 3 meses com um grupo num camião desde a Cidade do Cabo ao Cairo e Alexandria.
Percorremos de carro duas vezes a Carretera Austral, no Chile, de ponta a ponta, o deserto da Líbia e da Argélia, cruzamos a Karakoram Highway do Paquistão para a China pelo Khunjerab Pass, cruzamos os Himalaias por terra do Tibete para o Nepal, Uzbequistão, Quirguistão, Nova Zelândia…

Atualmente, com 76 anos e ainda muito para viajar, quero continuar a descobrir novos lugares e revisitar outros já conhecidos, mas se me pedissem para resumir e ficar com o que mais gostei/impactou na minha vida de viajante, eu diria:
Quanto a locais, em primeiro lugar e destacado, a selva impenetrável do Congo e os pigmeus Mbuti e baka que mostram como a vida pode ser fácil num terreno tão hostil, como se movem pela selva sempre acompanhados por cantos e música. Em contraposição às selvas, os outros locais que escolheria são a imensidão das dunas do deserto do Saara e as enormes extensões de vegetação espinhosa do Kalahari Central sem outro vestígio de vida que não seja a escassa fauna bem adaptada ao local. O encontro, a solo, com o leão de juba negra na imensidão do Kalahari impõe respeito e arrepia.


E, por outro lado, há a viagem e as pessoas que nela se inserem. “Se quiser conhecer alguém, viaje com ela”. A viagem define… ou une ou separa. Conhecer e viajar com pessoas de outros países, ver como vivem e pensam em outras partes do mundo… perceber a diversidade de formas de vida, de pensar, estar com pessoas diferentes e sentir-se um deles, perceber que o primeiro mundo não é, não somos, o umbigo do mundo. Há muitas mais formas de vida e culturas que devemos ver e conhecer. No momento em que, viajando, saímos das grandes cidades, das aglomerações e nos aproximamos das pequenas vilas, das aldeias, as pessoas são muito mais amigáveis, mais simples, mais hospitaleiras. Quando viajamos por terrenos remotos, difíceis, qualquer problema que surge torna-se um problema de todos e cada um contribui com o que tem e pode até resolvê-lo de forma absolutamente desinteressada. Às vezes, a viagem também ensina a parte mais dura e difícil, como aconteceu na viagem ao Zaire em julho de 1994, quando nos vimos envolvidos no massacre de Hutus e Tutsis em Goma, cidade na fronteira com o Ruanda. Das más experiências também se aprende.

A vida é mais rica quando viajamos. Sem a Viagem, a vida pouco mais seria que existência.

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